Mais um avanço utilizando
inteligência artificial em benefício da humanidade. Pesquisadores de três
universidades brasileiras – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de Goiás (UFG) – identificaram,
com auxílio de IA, medicamentos já aprovados para o uso em humanos, ou em fase
de estudo clínico, que apresentam potencial ação contra o parasita da malária.
Isso aconteceu durante o
trabalho com a espécie Plasmodium falciparum, que é responsável pelos casos
mais graves de malária em terras brasileiras. Eles produziram um artigo que foi
publicado na revista ACS Omega, mostrando que o uso de ferramentas
computacionais pode facilitar a descoberta de fármacos contra o parasita, que
tem capacidade de desenvolver resistência rapidamente.
Informação – a malária causa
quase 250 milhões de casos todos os anos no mundo. Sem ainda uma vacina
eficiente e definitiva, existe apenas o tratamento com uma combinação de
medicamentos que agem em diferentes estágios do ciclo de vida do parasita.
“Por isso, é urgente a
necessidade de se identificar novos fármacos”, falou Carolina Horta Andrade,
coordenadora do estudo e pesquisadora líder do Laboratório de Planejamento de
Fármacos e Modelagem Molecular (LabMol) da UFG e colaboradora do Instituto de
Biologia (IB) da Unicamp.
Resumindo, os cientistas
utilizaram uma estratégia computacional para a busca e seleção de alvos e
moléculas, com auxílio da ferramenta “Chemical Checker”.
“É o que chamamos de
reposicionamento de fármacos, ou seja, encontrar novos usos entre medicamentos
que já são aprovados para o uso em humanos ou que estão em estágio clínico de
desenvolvimento”, explica Horta.
Confira como foi o
processo
O primeiro passo do
estudo, que contou com apoio da Fapesp, foi uma análise de transcriptoma
(conjunto de moléculas de RNA expressas pelos genes) do parasita em diferentes
fases de seu ciclo de vida – assexuada no sangue, gametócitos no fígado e
sexuada no inseto vetor.
O objetivo dessa etapa
foi identificar genes codificadores de proteínas altamente expressos em mais de
um estágio. Foram encontrados 674 genes, dos quais 409 são considerados
essenciais para a sobrevivência do parasita, de acordo com dados do PlasmoDB,
banco de dados biológico do gênero Plasmodium.
Em seguida, os cientistas
pesquisaram esses genes individualmente no repositório Therapeutic Target
Database, encontrando 300 compostos bioativos associados a 147 deles.
Os fármacos foram
checados um a um com a ferramenta “Chemical Checker”, que permite a busca por
compostos semelhantes. Esse tipo de análise consiste em comparar as estruturas
moleculares dos compostos e dos genes do parasita e descobrir se há
compatibilidade.
Chegou-se a 75 compostos
conhecidos e 1.557 similares, totalizando 1.632 com potencial bioatividade –
previstos como ativos e inativos por modelos de IA desenvolvidos anteriormente
no LabMol. Dois foram selecionados – NVP_HSP990 e aglicona de silvestrol – e
suas reações foram avaliadas experimentalmente.
Testes in vitro
Os dois compostos
selecionados foram testados tanto em cepas de P. falciparum 3D7 (linhagem
sensível à cloroquina) quanto na cepa multirresistente Dd2. Ambos apresentaram
potente atividade inibitória contra o parasita no estágio sanguíneo assexuado.
Além disso, a aglicona de
silvestrol, que é derivada de um produto natural, a árvore tropical Aglaia
foveolata, exibiu baixa citotoxicidade em células de mamíferos, potencial de
bloqueio da transmissão e atividade inibitória comparável à dos antimaláricos
estabelecidos. Agora deve ser testada em outros estágios de vida do parasita.
“Esses fármacos,
naturalmente, ainda precisam ser testados em modelos animais vivos para que sua
eficácia e segurança sejam garantidas e, no futuro, façam parte de testes
clínicos em seres humanos”, diz Horta. “Mas os resultados são bastante
promissores no sentido de termos opções de compostos químicos que possam seguir
adiante e mostram que o uso de ferramentas computacionais e de inteligência
artificial pode acelerar a descoberta de fármacos – especialmente para uma
doença tropical negligenciada.”
Potenciais aliados
“Agora com o uso de IA, o
in silico (simulação computacional) vem passando por um avanço fantástico, mas
é sempre importante lembrar que para a descoberta e validação de novas
moléculas também é necessário um esforço no entendimento de seu modo de ação no
parasita e se elas podem facilmente gerar resistência, algo que é trabalhoso
mas resolutivo”, ressalta Fabio Trindade Maranhão Costa, professor do
IB-Unicamp e colaborador do estudo.
Costa é coordenador de
outro artigo publicado na revista Antimicrobial Agents and Chemotherapy, que
também envolveu triagem virtual para identificar novos tratamentos contra a
malária. A ideia desse segundo trabalho foi utilizar simulações com modelos
tridimensionais (3D) da estrutura da proteína para encontrar inibidores de
proteínas-chave para a reprodução do parasita em diferentes estágios do ciclo
de vida – as chamadas quinases.
Os pesquisadores
utilizaram um software para localizar compostos ativos com essa capacidade e os
submeteram a testes in vitro com as mesmas cepas do estudo anterior. A molécula
de quinazolina (542) apresentou atividade potente contra estágios sanguíneos
assexuados do parasita, com a vantagem de também ter alto índice de
seletividade, ou seja, uma sólida capacidade de combater a doença sem causar
tantos danos ao organismo.
Para confirmar o efeito
inibidor, foram realizadas ainda análises de interação químico-genética em
modelos de leveduras que expressam uma proteína do tipo quinase similar à do
parasita.


Nenhum comentário:
Postar um comentário