![]() |
Fonte da imagem: Pixabay. |
Desde a pandemia da
covid-19, têm se tornado cada vez mais frequentes nos cartórios de notas do
Brasil registros de diretivas antecipadas de vontade (DAVs) feitas por pessoas
que desejam proteger sua imagem e voz, diante do avanço da inteligência
artificial (IA).
Segundo disse à Agência
Brasil a vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil seção Rio de Janeiro,
Edyanne de Moura Frota Cordeiro, tabeliã titular do 7º Ofício de Notas, os
tabelionatos já registraram cerca de 5 mil DAVs em todo o país, nos últimos
três anos. No estado do Rio de Janeiro, foram 107 escrituras sobre direitos
digitais, sendo 31 somente no primeiro semestre deste ano. O maior número de
registros se concentra nas regiões Sudeste e Sul, informou.
O assunto ganhou destaque
recentemente após a aparição da cantora Elis Regina em um comercial da
Volkswagen, cuja imagem foi reconstituída a partir de inteligência artificial.
Elis Regina morreu em 1982.
Caso semelhante ocorreu com
o ator americano Paul Walker, que faleceu em um desastre de carro, em 2013, no
meio das filmagens do filme Velozes e Furiosos 7. Para concluir o
longa-metragem, foi utilizada tecnologia de computação gráfica (CGI, na sigla
em inglês).
Na tecnologia, as imagens
geradas por computador têm três dimensões e profundidade de campo. A cantora
Madonna também alterou seu testamento, proibindo o uso de hologramas após sua
morte. Tais fatos despertaram a atenção da sociedade para as escrituras sobre
direitos digitais.
A tabeliã lembrou que, em
paralelo ao desenvolvimento da mídia e ao aparecimento de influencers em
plataformas digitais, a IA vem sendo cada vez mais aprimorada “e, hoje em dia,
se pode fazer várias coisas com a voz da pessoa e imagem, mesmo pós-mortem. Por
isso, ela destacou a necessidade de se regular as relações jurídicas.
Instrumentos
De acordo com Edyanne, os
instrumentos vão se diferenciar. No caso de uma pessoa que quer ter suas obras
perpetuadas depois de morta, como letras de música, imagens, voz, por exemplo,
ou mesmo partilha de bens, o instrumento adequado seria o testamento, que só
terá eficácia depois que a pessoa morrer.
Contudo, se for uma
preocupação em vida, o instrumento são as DAVs. Isso se aplica a pessoas vivas
que desejam preservar os direitos de voz ou imagem em caso de algum
acontecimento inesperado, como problema de saúde, acidentes, situação de
hospitalização sem discernimento ou coma. Nesses casos, a pessoa pode fazer uma
diretiva para proteger tanto senhas de acesso, códigos de redes sociais,
ativos, mas também regular o que vai ser feito com sua imagem e voz, caso ela
esteja impossibilitada de manifestar a sua vontade. Esse é um instrumento novo
que poucas pessoas sabem que existe, afirmou. “Nós temos esses dois tipos de
documentos de escrituras notariais.”
Ética
Os direitos digitais são
objeto do Projeto de Lei 3.592/2023, de autoria do senador Rodrigo Cunha
(Podemos/AL), que busca disciplinar e estabelecer regras para a utilização das
imagens e recursos digitais, principalmente no caso de pessoas já falecidas.
“Porque a pessoa viva ainda tem como se defender”, advertiu a vice-presidente
do CNB/RJ.
De acordo com o PL, o uso
da imagem de uma pessoa falecida por meio de inteligência artificial só será
permitido com o consentimento prévio e expresso da pessoa em vida ou dos
familiares mais próximos. A proposta ainda determina que a permissão deve ser
obtida e apresentada de forma clara, inequívoca e devidamente documentada,
especificando os objetivos a serem alcançados com o uso de imagens e áudios.
Edyanne Cordeiro avaliou
que a questão de bioética é muito recente e não está ainda regulada. “Tudo
surgindo agora, tanto no que se refere à sucessão e ao que for usado depois da
morte, reunidos na chamada herança digital, como aos direitos da personalidade,
porque a pessoa está viva”. São direitos existenciais, constitucionais. “Têm
muitos liames porque, se a pessoa não deu autorização e terceiros forem usar,
isso vai gerar muita demanda de ações de indenização por danos morais e, até, danos
materiais, porque pode-se manchar a imagem da pessoa e ela acabar perdendo
direitos.”.
A tabeliã alertou que
herdeiros, inclusive, podem ser vítimas de uso indevido de imagem e voz de
parentes e deverão pedir indenização.
Plataforma
Para realizar uma DAV, a
pessoa interessada deve comparecer em um cartório de notas com documentos
pessoais ou fazer o procedimento em plataforma digital nacional, administrada
pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil.
No formato eletrônico, o
cidadão escolhe o cartório de notas de sua preferência para solicitar o
serviço. Em seguida, é agendada uma videoconferência com o tabelião de notas e
a escritura é assinada eletronicamente, por meio de um certificado digital
gratuito que pode ser emitido pela mesma plataforma. Embora gratuito, esse
certificado vai servir somente para questões de cartório.
Segundo Edyanne, a
antecipação de vontade é muito simples e não necessita de testemunhas, nem de
acompanhamento por advogado. “A DAV é para se precaver em vida”, ressaltou. A
tabela dos cartórios de notas para fazer uma DAV estabelece custo médio em
torno de R$ 300, no estado do Rio de Janeiro. Dependendo do que for inserido na
diretiva, o preço pode subir. Para testamentos, o valor tende a ser maior.
O testamento público é o
documento pelo qual uma pessoa, denominada testador, declara como e para quem
deseja deixar seus bens após sua morte. Para realizar o ato, é necessária a
presença de duas testemunhas que não podem ser herdeiras ou beneficiadas pelo
testamento, além dos documentos de identidade de todas as partes, requerentes e
testemunhas. A presença de um advogado é opcional. O documento pode ser
alterado e revogado enquanto o testador viver e estiver lúcido, e terá validade
e publicidade somente após a sua morte.
Tabelionatos
O Colégio Notarial do
Brasil - Seção Rio de Janeiro é a entidade de classe que representa
institucionalmente os tabelionatos de notas do estado. As seccionais dos
colégios notariais de cada estado estão reunidas em um Conselho Federal (CNB/CF),
que é filiado à União Internacional do Notariado (UINL).
A entidade não
governamental reúne 88 países e representa o notariado mundial existente em
mais de 100 nações, correspondentes a dois terços da população global e 60% do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial, praticando atos que conferem publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia aos negócios jurídicos pessoais e
patrimoniais, contribuindo para a desjudicialização.
Fonte: Agência Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário