Foto: Instagram @euvatarstoryliving |
A Academia Brasileira de
Letras (ABL) lançou uma versão digital de Machado de Assis, que interage e
responde perguntas por meio da tecnologia de inteligência artificial. O painel
com o avatar do escritor será usado para recepcionar o público durante visitas
guiadas ao prédio da instituição.
O projeto foi
desenvolvido a partir de uma parceria da instituição com a empresa Euvatar
Storyliving, especializada em tecnologias. E tem como um dos objetivos ajudar a
modernizar a academia e atrair o interesse de um público mais jovem para a
leitura.
O avatar levou mais de
três meses para ser construído. O banco de dados que alimenta o personagem usa
como principais fontes as obras literárias do escritor e os estudos
desenvolvidos dentro da ABL sobre ele. Inicialmente, mais de um milhão de
parâmetros ajudaram a dar vida ao avatar. Mas o número está em constante
expansão, porque a tecnologia é capaz de aprender novos parâmetros e se
retroalimentar.
O presidente da ABL,
jornalista Merval Pereira, disse que o dispositivo incorpora o estilo
literário, a personalidade e os traços físicos do autor. Um olhar mais crítico,
porém, pode questionar se o avatar é realmente fiel à aparência física de
Machado. A versão digital traz um homem com a pele mais clara e rosada.
Identidade étnico-racial
Nos últimos anos, cresceu
o debate sobre a identidade étnico-racial do escritor, que era neto de
africanos alforriados. Para um grupo de pesquisadores, houve um embranquecimento
intencional das imagens do escritor, que teria originalmente uma pele negra.
Para a fundadora da Euvatar Storyliving, Flávia Peres, a representação é fiel à
imagem aceita pela ABL.
“Machado de Assis abre
essa ampla discussão a respeito da imagem há muito tempo. Se assumiu dentro da
academia que Machado é mulato. E foi o que nós traduzimos aqui. Nós vemos que
ele não é um homem branco, mas também não é um homem completamente negro. Ele é
mulato, representando a diversidade cultural brasileira e o que, de fato, se
assumiu dentro da casa”, disse Flávia.
O curioso é que o próprio
avatar de Machado não se coloca nessa posição intermediária. Questionado por um
repórter sobre o assunto, a inteligência artificial produziu a seguinte
resposta:
“Como homem negro,
nascido de origem pobre no Rio de Janeiro do século 19, eu enfrentei desafios e
preconceitos ao longo do tempo devido à minha raça, classe social e até mesmo
devido à minha condição de saúde, como a epilepsia.”.
Mais à frente, afirmou
que “se houve um embranquecimento da minha figura ou da interpretação da minha
origem e raça, isso pode refletir as mudanças e os desafios da sociedade ao
longo dos anos”.
Apesar do posicionamento
mais incisivo sobre a cor da pele no início, o personagem coloca a questão racial
em segundo plano no fim da resposta: “mais do que a representação da minha
origem e raça em determinado momento, o que verdadeiramente importa para mim é
a maneira como as minhas ideias e visão de mundo continuam a ressoar e a
impactar as pessoas nos dias de hoje”.
Assuntos polêmicos
Outro ponto que costuma
provocar debates sobre a obra de Machado de Assis é o fato de ele não ter dado
espaço satisfatório para o tema da escravidão. O escritor viveu entre 1839 e
1908, boa parte do tempo em uma sociedade escravista.
“Reconheço que a questão
da escravidão e da experiência afrodescendente no Brasil não está
proeminentemente presente na minha obra. Esse é um ponto de crítica legítimo”,
reconheceu o avatar.
“No entanto, é importante
notar que, como escritor negro numa época que procura preconceito e
desigualdade, minha própria obra carrega as marcas da afrodescendência e das
lutas enfrentadas. Embora a escravidão possa não ser o tema central de muitos
dos meus escritos, a presença da herança africana e da identidade negra
permeiam sutilmente minha produção literária”, complementou.
Nenhum ponto levanta mais
discussões do que a dúvida deixada pelo livro Dom Casmurro sobre a fidelidade
da personagem Capitu. Teria ela traído Bentinho ou não? A inteligência
artificial respondeu:
“Em Dom Casmurro, eu
apresento a história de Capitu e Bentinho deixando sugestões, mas sem fornecer
uma resposta definitiva. A dúvida sobre a suposta traição de Capitu é
proposital, convidando o leitor a refletir sobre a natureza da paranoia de
Bentinho e a incerteza das relações humanas. É, portanto, um mistério que
permanece intencionalmente sem solução”.
Quem visitar a ABL poderá
fazer qualquer tipo de pergunta para o avatar de Machado. Seja relacionada à
vida e obra do autor ou sobre fatos aleatórios. Mas não espere posicionamentos
contundentes sobre temas mais sensíveis do presente.
“Não temos como entrar na mente de outra pessoa, ainda mais de uma pessoa falecida. Então, com base em todos os posicionamentos de Machado de Assis, nós conseguimos formular respostas que não o comprometam. Ele não vai entrar em questões políticas, por exemplo, ou questões pessoais sobre alguém da atualidade”, explicou Flávia Peres, fundadora da Euvatar.
Fonte: Agência Brasil.
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