Os recentes avanços nas
técnicas de inteligência artificial, bem como na resolução dos dados de
satélite, já permitem desenvolver modelos de aprendizagem automática, baseados
em séries históricas, para detectar eventos climáticos extremos. Em um novo estudo
publicado no periódico Atmosphere, o Laboratório de Análise e Processamento de
Imagens de Satélites (Lapis) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) deu
novos passos no desenvolvimento de tecnologias para detecção das
secas-relâmpago no Brasil.
Segundo o professor
Humberto Barbosa, coordenador do Lapis, a "Seca-relâmpago" (do
inglês, flash drought) é um extremo climático de curta duração e forte
intensidade, geralmente associado a altas temperaturas. “Trata-se de uma nova
tipologia de seca, decorrente da mudança climática, que causa grandes impactos
ambientais e prejuízos econômicos”, alerta o pesquisador.
Os primeiros estudos
sobre o problema no Brasil e na América Latina também foram publicados pelo
Laboratório Lapis, desde o ano passado. Com base em inteligência artificial,
mais precisamente em “deep learning” (ou aprendizado profundo), a equipe
desenvolveu um modelo computacional para detectar as secas-relâmpago.
O meteorologista informa
que o aprendizado profundo é um avanço na pesquisa tradicional de aprendizado
de máquina (machine learning), projetada para permitir que o computador aprenda
as características de um grande conjunto de dados, a partir de um conjunto de
dados de amostra. Depois do treinamento com dados da amostra, a classificação é
feita de forma abrangente, para todo o universo dos dados.
Com o enorme volume de
dados utilizados, o modelo desenvolvido na nova pesquisa do Laboratório Lapis,
chega para aprimorar a detecção do risco de secas-relâmpago no Brasil. No
estudo, foram identificados primeiro os eventos extremos na região, no período
2010-2022. A análise foi feita com base em índices de seca: percentual da
umidade do solo, Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI) e Índice
Normalizado de Precipitação-Evaporação (SPEI).
“Em seguida, foi
utilizado como amostra um conjunto de índices ambientais e hidroclimáticos,
baseados em dados de satélites, referentes à grande seca de 2012 no Semiárido
brasileiro. Esses dados foram usados para treinar, desenvolver e validar o
modelo computacional. Uma das contribuições do novo estudo do Laboratório Lapis
é de natureza tecnológica, ao avançar no uso de inteligência artificial,
combinada com dados de sensoriamento remoto, para detectar eventos climáticos
extremos no Brasil.
“Uma das consequências da
mudança climática é o aumento das secas, especialmente das secas-relâmpago. A
combinação de tecnologias de sensoriamento remoto com inteligência artificial
pode desempenhar um papel crucial na previsão de eventos climáticos extremos e
adaptação à mudança climática.Os satélites fornecem um enorme volume de dados
sobre variáveis climáticas, como temperatura, umidade do solo, precipitação,
vegetação e evapotranspiração. Para analisar esses dados e estabelecer
correlações, algoritmos são aplicados no desenvolvimento de modelos de
monitoramento e previsão climática.
Detectar uma
seca-relâmpago requer arquiteturas de rede capazes de aprender representações
complexas e explorar interconexões no espaço/tempo. Por isso, na pesquisa do
Laboratório Lapis, as secas-relâmpago no Semiárido brasileiro foram
identificadas a partir de Redes Neurais Convolucionais (CNNs), uma das
arquiteturas de “deep learning” mais utilizadas. Veja aqui imagens geradas por
IA.
O mapeamento da seca de
2012 apresentou variações de intensidade em todo o Nordeste brasileiro: o
sudoeste da região experimentou secas-relâmpago mais frequentes, enquanto a
área semiárida enfrentou condições mais intensas desse tipo de seca. Além
disso, o estudo analisou os impactos retardados da seca sobre a cobertura
vegetal e os ecossistemas, a partir de uma melhor compreensão da resposta da
umidade do solo ao déficit hídrico. O estudo também foi importante para definir
a umidade do solo como a variável mais adequada para classificação das
secas-relâmpago.
“O ‘deep learning”
oferece alta precisão e eficácia no processamento de grandes volumes de dados.
Trabalhar com inteligência artificial propiciou análises mais complexas para
entendermos os extremos climáticos de seca no Brasil. Encontramos sinais claros
de eventos não registrados, destacando os benefícios do método de detecção
proposto. A abordagem utilizada pode contribuir para melhorar os algoritmos de
detecção de secas-relâmpago, o que é muito importante para o país, no atual
contexto da mudança climática”, ressalta Humberto Barbosa, responsável pelo
estudo.
Detectar secas-relâmpago
com precisão ainda é um desafio para a ciência, em razão da sua curta duração.
Os métodos convencionais de monitoramento da seca têm dificuldade para captar
com precisão esse fenômeno, que se intensifica rapidamente. “É por isso que os
modelos de aprendizado profundo são cada vez mais úteis para detectar esse tipo
de seca, após serem treinados com dados”, alerta o meteorologista.
Na segunda etapa do
estudo, foram examinados eventos de seca-relâmpago para a quadra chuvosa do
Semiárido brasileiro (fevereiro-maio), no período de 2024 a 2050., tendo como
resultado, a variabilidade espacial considerável das secas-relâmpago em todo o
Nordeste brasileiro, para o período. Essa distinção permitiu identificar, em
particular, que a Bacia do Rio São Francisco será afetada por secas-relâmpago
mais severas, em futuro próximo.
“As nossas descobertas
demonstram que, nas próximas décadas, as secas-relâmpago serão mais extremas na
Bacia do Rio São Francisco, devido às consequências do aquecimento global. Isso
impõe desafios significativos à gestão dos recursos hídricos em toda a região
Nordeste, além da redução na produtividade da agricultura e da deterioração dos
ecossistemas nessas áreas”, explica Humberto Barbosa.
As projeções de mudanças
climáticas sugerem que as futuras secas-relâmpago serão mais severas. Na quadra
chuvosa do Semiárido brasileiro, as atividades agrícolas que dependem de uma
quantidade significativa de água, devem enfrentar perturbações que podem afetar
o rendimento das colheitas e a produção global de alimentos.“A grande
dependência da estação chuvosa para a produção agrícola, com quantidade
adequada de água, levanta preocupações sobre o risco que a mudança climática e
as chuvas insuficientes representam para toda a economia do Nordeste
brasileiro. Os impactos serão drásticos para a região”, finaliza ele.
O estudo do Laboratório Lapis é o primeiro que utiliza ferramentas de IA com avanços consistentes para detecção de secas-relâmpago no Semiárido brasileiro. A infraestrutura computacional utilizada para executar a metodologia do estudo foi do European Weather Cloud (EWC), a partir de uma cooperação bilateral do Lapis com a University of Cologne, na Alemanha.
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